imundices 


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Texto por
Severo Garcia
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Severo Garcia

Tem momentos do dia em que vejo-me como um pobre mutilado. Falta algo, falta ação, falta mote. Transfixado ou asfixiado, calado na calada da noite, me atrevo a vingar a vida que vinga. Vou às ruas disfarçado para me esgueirar pelas imensidões abertas do fechado vaticano santificado. Caminho como uma sombra minúscula na enorme praça vazia e caio de boca na Roma escura repleta de pecado. À noite, na madrugada, o que quero é ser o outro, o contrário, o que peca, ataca, assombra e comete. À noite, faço de mim o que quiser. Drogado, pervertido, assassino, comparsa, cantor de ópera, depravado, ladrãozinho, pai de família, chef de cozinha. Rodo a baiana nas noites de lua cheia como um macho violento. Nas noites sem lua procuro sexo passivo. Na minguante, sou um trabalhador na beira do rio pó. Na crescente, uma drag queen. Todo ciclo tenho em mim quatro novos Franciscos que acabam de nascer. São sete dias por semana, um para cada noite. No sexto, descanso. O sábado foi feito para o homem. Com o tempo, retorno aos evangelhos para justificar, sempre e a cada vez, os meus novos pecados. Renuncio os meus bens num banquete onde os convidados são os mendigos, os estropiados, os coxos e os cegos.

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