Uma das primeiras vezes que lembro de rezar foi pedindo para nunca passar pela dor da morte. Até aquele dia, morrer era uma distância no tempo. Só reconheci esse medo no escuro, quando as lágrimas se precipitaram. Elas escorreram pela pele e revelaram o que o coração guardava. Naquele dia, a situação foi confusa e rápida. Caídos no chão, dois rapazes – um imóvel e o outro com três tiros na cabeça – foram o estopim para uma náusea infinita. A cena poderia se resumir à descrição de uma assalto ou algo violento. Mas era mais do que poderia se ver. Não compreendi o por quê, mas algo se operou naquele acontecimento. Nunca tratei esse dia como uma tragédia, presságio ou milagre. Era próximo do natal, pois haviam muitos enfeites pela cidade. As ruas estavam agitadas e o ar era gélido. O céu brumado escondia algum mistério. Caminhava de mãos dadas com minha mãe, como de costume, pelas calçadas da cidade. Íamos fazer compras. Não tivemos nenhuma relação com o ocorrido, exceto o fato de sermos testemunhas oculares. Ainda não sei se ter vivenciado aquela cena acelerou a minha meninice ou encerrou a minha frágil sensação de segurança. Minha mãe, assim como eu, fomos cobertos pelo susto repentino do inesperado. Creio que até hoje mantive-me em estado de alerta. Na ocasião, não soube dizer o que havia ocorrido. Curiosamente recordo de detalhes aleatórios. A cor do casaco do policial com distintivo. As botas gastas dos homens deitados e imóveis. O cheiro de fumaça e óleo vindo dos carros. Alguns detalhes não somem com o tempo. É curioso recordar que rezei amarrado a um fio não sei pra quem. Meus pais não eram religiosos. E nunca havia entrado em uma igreja ou sinagoga. Por intuição, creio que busquei ajuda fora da minha compreensão para ajustar o prumo.