– Pai, anda logo. Disse ela deitada na cama esperando o pai escolher um livro para ler naquela noite.
– Sim, já vai. Respondeu ele com uma voz sonâmbula.
– Pai, conta como era onde tu nasceu?
– Filha, deixa pra outro dia.
– Ah, pai.
Na minha cidade todo ano algo muda as pessoas. Aprendi a chamar de “vento norte”. Esse vento deixa pessoas de cabeça pra baixo e pés pra cima. Não tem guarda-chuva ou guardanapo que fique parado. As pessoas ficam estranhas. Caminham para trás e recolhem as plantinhas para dentro de casa. Não há um só fio de cabelo arrumado e os ninho de pássaros acabam desgrenhados. Na minha cidade, em dias de vento norte, ninguém sabe o que pode acontecer.
E quem consegue algo sem a dúvida do que poderá conseguir? Pensei em silêncio.
As calçadas ficam íngremes, os postes se dobram e os olhos se enchem de terra. Em dias de vento norte, saia de casa sem piscar os olhos. Em dias de vento norte, não adianta previsão do tempo. Nestes dias, a cidade parece uma confusão impossível de se organizar. Eu adorava brincar com desavisados, como os meus amigos da rua.
– Amigos da rua, pai?
– Sim. Era assim que se chamava quem era vizinho e brincava com a gente.
Mas, nem sempre eram alegres esses dias. Às vezes, eu rezava para Nossa Senhora do Vento Norte pedindo para ela ajudar a manter as casas de madeira e lona presas no chão. Não existe essa Nossa Senhora. Eu inventei ela para me proteger do que desconhecia. É engraçado pensar que a minha cidade tem o nome de uma Santa, uma romaria e procissão.
– Pai, posso conhecer tua cidade?
– Claro! Podemos ir no natal.
– E, tem “vento norte” no natal?
– Não sei minha filha. Depois que se sai de um lugar os detalhes se confundem com a realidade.
Para minha Santa Maria.