Acordei após um AVC. Não sei se posso considerar isso um milagre. Às vezes, só resta aceitar os fatos. O médico disse que tive uma queda, mas que o rompimento tinha solução. E com a fisioterapia e as sessões de fonoaudiologia, em pouco tempo estaria “novo em folha”. Sorri assustado. Não sabia se acordar num corpo estranho era melhor do que não acordar. A conversa foi rápida. Não verdade nem conversa se deu. Eu, com pouco a dizer, como se houvesse acordado de um filme mudo, fiquei imóvel à espera de uma salvação daquele pesadelo. Nada aconteceu, mesmo com minhas súplicas silenciosas. Acordei num corpo semi morto. Sem me render quis colocar os pés no chão. Péssima escolha. O chão acolheu minha queda. Passei um tempo esperando uma força estranha levantar-me. Alguém gentil e simpático disse que havia um jogo da seleção brasileira na televisão. Cordialmente, acomodou-me na cama e colocou o controle em minha mão ainda dormente. Dormi. Acordei no final do jogo. Tudo era um pesadelo. Quando a enfermeira entrou no quarto e retirou o urinol debaixo da cama entendi, nada era fantasia. Eu, numa supersticioso, rezei preces aleatórias para santos e santas. Recordava do tempo de infância, histórias que nada diziam para mim. Aquele corpo não era meu. Gritei com a boca entreaberta. Quem era esse eu que acordou neste lugar? A cada minuto a sensação piorava. Tudo era confuso. Eu estava caminhando na rua. E tudo ia bem. E aí acordei aqui com alguns dizendo que foi um milagre. Não entendi, acordei pela metade.