vento norte


Publicado em
Texto por
Severo Garcia
Imagem por
Cris Tomasi

Pai, anda logo. Disse ela deitada na cama esperando o pai escolher um livro para ler naquela noite.

Sim, já vai. Respondeu ele com uma voz sonâmbula.
Pai, conta como era onde tu nasceu?
Filha, deixa pra outro dia.
Ah, pai.

Na minha cidade todo ano algo muda as pessoas. Aprendi a chamar de “vento norte”. Esse vento deixa pessoas de cabeça pra baixo e pés pra cima. Não tem guarda-chuva ou guardanapo que fique parado. As pessoas ficam estranhas. Caminham para trás e recolhem as plantinhas para dentro de casa. Não há um só fio de cabelo arrumado e os ninho de pássaros acabam desgrenhados. Na minha cidade, em dias de vento norte, ninguém sabe o que pode acontecer.

E quem consegue algo sem a dúvida do que poderá conseguir? Pensei em silêncio.

As calçadas ficam íngremes, os postes se dobram e os olhos se enchem de terra. Em dias de vento norte, saia de casa sem piscar os olhos. Em dias de vento norte, não adianta previsão do tempo. Nestes dias, a cidade parece uma confusão impossível de se organizar. Eu adorava brincar com desavisados, como os meus amigos da rua.

Amigos da rua, pai?
Sim. Era assim que se chamava quem era vizinho e brincava com a gente.

 

Mas, nem sempre eram alegres esses dias. Às vezes, eu rezava para Nossa Senhora do Vento Norte pedindo para ela ajudar a manter as casas de madeira e lona presas no chão. Não existe essa Nossa Senhora. Eu inventei ela para me proteger do que desconhecia. É engraçado pensar que a minha cidade tem o nome de uma Santa, uma romaria e procissão.

– Pai, posso conhecer tua cidade?
– Claro! Podemos ir no natal.
– E, tem “vento norte” no natal?
– Não sei minha filha. Depois que se sai de um lugar os detalhes se confundem com a realidade.

Para minha Santa Maria.

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